Este texto foi escrito em março, mas cedendo à pressão do dia 12 de junho, resolvi dar vida e espaço a ele. Afinal, tá tudo um caos mesmo…
1.
Ontem foi um dia daqueles... Mistura de último dia do mês, com primeiro do mês seguinte. Um dia que nem existe, mas cabe um ano inteiro dentro dele.
Um dia lotado com trabalho, freela, tentativas de textos que não chegaram a lugar nenhum, treino bem meia boca porque meu treinador desmarcou em cima da hora. No mesmo dia, tive que fazer contabilidade da empresa, da pessoa física, da vida em si. Também precisei cobrar, precisei pedir atenção, precisei emprestar o carro, tive que corrigir trabalho alheio, consertar erros que não são meus e testar monte de produto novo.
No mesmo dia eu tive que lavar louça, lavar roupa, lavar pano de chão, lavar o chão, o banheiro, trocar os lixos e limpar os cinzeiros. Tudo isso depois de enfrentar uma noite de insônia junto a um ataque noturno e sangrento dos gatos.
Quantos dias cabem em 24 horas?
2.
Em algum momento no início da tarde eu comecei a listar as demandas que faltavam e o que mais eu poderia encaixar nesse mesmo dia.
em retrospectiva, não acredito que eu queria colocar mais coisas nesse dia tão caótico, mas eu pensei, portanto coloquei. Eu fui a uma loja num canto distante da cidade, enfrentei chuva e trânsito para comprar besteiras tão desnecessárias. Mas fui, queria fazer alguém feliz com um presente.
Voltando à lista... Uma das prioridades da lista era confirmar a presença em um casamento. Era o último dia para confirmar.
Metódica e neurótica como sou, respeitando o trabalho do assessor (porque respeito demais todo mundo que tem "assessor" no cargo), não poderia jamais passar a data.
Eu pensei na listagem do assessor, na ansiedade em receber as confirmações dentro do prazo para montar as mesas, informar o buffet, a organização, contabilizar as lembrancinhas... Eu já estava ansiosa pensando na ansiedade do assessor e com a certeza de que minha simples mensagem dentro do prazo seria um alívio e uma prova de respeito ao profissional.
3.
Também fazia parte da lista um mimo para mim. Jantar em algum lugar legal, fugir um pouco da dieta. Um prêmio consolação por ter sobrevivido ao dia extremamente caótico.
Cheguei ao fim do dia, em casa. Trilha sonora: máquina de lavar batendo os panos de chão.
Sem pensar, peguei um frango velho e joguei no microondas. Achei uma salada mais velha ainda e usei como acompanhamento do frango. Se não fosse pela altíssima quantidade de vinagre, provavelmente sentiria o gosto ruim da comida.
Depois de comer e lavar mais essa louça, lembrei do meu prêmio consolação. O restaurante, aquele que morreu antes de nascer.
4.
Já tinha trabalhado, treinado, surtado, jantado, limpado, sobrevivido. Talvez o prêmio de consolação tenha sido isso mesmo. Sobreviver.
Não tive meu jantar especial. Tive que aceitar. Esqueci de mim mesma e tudo bem. Isso acontece. Nem sempre somos nossa própria prioridade.
Fui dormir irritada. Faltava algo. O que eu me esqueci?
5.
No dia seguinte acordei ressignificada. Tudo seria melhor, mais fácil. Era sábado.
barulho de um espelho quebrando em uma sala vazia”O ASSESSOR! O casamento. Não confirmei.”
Agora é sábado. Será que ele vai me atender? Será que eu atrapalhei os planos dele? Como pude desrespeitar um prazo tão simples?!
Era uma mensagem só. Como não tive tempo ontem?!
Pensei na possibilidade de ser banida do casamento pela falta de responsabilidade, mas sabia que não era viável. Ou era? São meus amigos casando. Como eu falo "seu assessor não me deixou ir porque eu atrasei algumas horas do deadline". Será?
A partir daí, tudo o que fazia ou pensava e vinha seguido de "confirme a presença!" ou "não se esqueça do casamento!".
Entre tirar o lixo e sair para um compromisso, consegui salvar o contato e mandar a mensagem!
Ufa!
6.
Agora ele só precisa responder. Será que ele vai me responder? Será que ele não trabalha no fim de semana? Será que vou precisar inventar uma desculpa ou ser sincera? Será que ele me odeia ou me acha babaca? Será que entrei para lista dos atrasados?
A vida seguiu. Algumas horas seguiram... Não é todo mundo que está disponível para responder sobre trabalho num sábado, às 7 e pouco da manhã.
A resposta veio.
Ele respondeu. Até então, tudo certo.
Será que fui perdoada pelo universo?
Acho que sim.
Então, o assessor perguntou os nomes e se havia acompanhante.
Talvez esse tenha sido o troco do universo.
Ter que assumir para um completo estranho que não, não há acompanhante.
7.
Sentia que ele ria da minha cara, mas ele nunca fez isso (eu acho). Para ele eu sou tão pequena e insignificante, só um nome numa lista.
Mas depois de um dia caótico, em que me esqueci de mim mesma, hoje eu vou precisar me colocar em foco.
Para não ceder a uma pressão social e silenciosa que dita que quem tem acompanhante vale mais e antes de me sentir só perante outras que pessoas não deveriam fazer diferença, preciso listar os motivos bons de ser só.
E sinceramente, como seria possível incluir mais uma responsabilidade em uma rotina dessa, com uma mente movida ao caos?
“Senhor assessor, eu vou sozinha mesmo. E isso já é demais.”
8.
Você sabia que o Spotify cria playlists personalizadas de acordo com o que você curte ou escuta com mais frequência? Essa é uma das minhas daily mix. Bem BR, bem ritmo de dia dos namorados, mas também de solteiros.
Se sobrar algum tempo no seu dia, dê um play.