Facebook e sua caixinha de lembranças
Recordações, recortes, passados recentes e fotografias.
Sendo uma pessoa com péssima memória, as redes sociais dão uma ajudinha.
1.
Pode somar aí: treino de cardio preguiçoso no frio + trilha sonora saudosa + buscar por uma foto específica.
Essa sim é uma matemática que vale o esforço.
2.
Uma viagem pelo tempo espaço. Olhar fotos antigas, ou seriam velhas?
Casas que não existem mais, amizades desfeitas, excesso de colágeno, muita bebida alcoólica e sorrisos espontâneos.
Cada imagem, uma viagem com bilhete só de ida.
3.
Fico feliz por ter desejado ser fotógrafa. Na minha humilde aspiração, levava a câmera para todos os encontros, “roles”, festas. Então, tive alguns anos muito bem guardados.
Fora de foco, sem sentido, sem sabe calibrar a máquina fotográfica.
Mas acima de tudo, a verdade. O momento eternizado.
4.
Existem fotos das quais eu me lembro e alguns momentos específicos. Mas os melhores são as surpresas quando arrasto as fotos para o lado no Facebook.
Como se os cósmos soubessem que eu precisaria, nasci em uma época capaz de publicar fotos pela Internet, criar álbuns, me familiarizar com essas tecnologias.
5.
Ainda tenho álbuns com fotos impressas guardadas.
Dessa vez, tanto álbum físico quanto digital, seguem um padrão.
Poses de momentos nenhum. Nada especial. Raramente uma data festiva.
Mas pessoas, pessoas que eu gosto (ou gostava) congeladas no tempo, sendo aquilo que um dia seria tão difícil: feliz.
6.
Quando perdemos a essência da felicidade e a trocamos por dúvidas, medos e preocupações? Quando a decisão financeira se tornou o maior motor e aqueles momentos, compartilhados em uma sarjeta, dissiparam?
7.
Hoje, esses álbuns no meu Facebook são fechados, abri mão da vida "pública" virtual.
Crescendo, me tornei uma garota tímida. Vergonha do meu corpo, do meu rosto, das marcas de suor, da roupa. Crescendo se tornou difícil apenas aproveitar, rir e fotografar.
De repente, tudo é ângulo e filtro.
8.
Crescendo também aprendi a ter menos vergonha, aceito as fotos antigas, os cortes de cabelo estranhos e o péssimo gosto para moda.
Mas criei um personagem frio, que não fotografa, que não é fotógrafa, que não sai em fotografias.
Hoje, não existiria (e não existe) um álbum. São poucas as imagens e as que existem não tem o mesmo gosto, nem o mesmo riso.
Privo meu futuro do prazer que sinto hoje. Ao recordar. Ao iluminar com lembranças um momento congelado que só faz sentido para mim.
9.
Para manter a integridade dos meus personagens reais, tento aqui descrever algumas fotos e aconselho que você tente fazer o mesmo com momentos e fotos antigas que tem sentido só para você.
a) dois homens, grandes, carecas e adultos lavando o cabelo um do outro com uma latinha de Brahma.
b) uma mesa de bar na rua, eu com as pernas em cima da cadeira, conversando com um amigo em pé na porta do bar e uma amiga do meu lado fazendo careta.
c) três garotas e um garoto mais velho, com os rostos colados, sorrindo para o que seria, hoje em dia, uma selfie.
d) uma rua escura e uma garota que acabou de cair do skate. Fotos que seguem: várias pessoas (bêbadas) correndo para ajudá-la. Foto final da série: ela quase em cócoras, rindo por ter caído.
e) eu e o outra garota, encostadas numa parede, sentadas na calçada, soltando fumaça do cigarro, no meio da noite. Nos esquentávamos do frio com um casaco cobrindo as pernas.
f) eu e uma amiga em local desconhecido, no meio da noite. Ambas cantando com o mesmo microfone (provavelmente era música dos Beatles).
g) eu e outra garota, dentro de uma casinha infantil de plástico, em uma lanchonete no meio da madrugada.
h) uma amiga chupando uma manga, com as mãos todas sujas e baba por todo lado.
i) um amigo desmaiado em minha cama, depois de tomar tequila. Quarto todo bagunçado.
j) uma amiga organizando as garrafas de tequila e sorrindo forçadamente para foto. Evento que antecedeu a fotografia "I".
k) a mesma amiga, junto de seu namorado, ambos ao meu lado, enquanto cantavam parabéns para mim. Eu usava um vestido listrado e um chapéu meio Panamá. Eles olhavam para mim e eu para eles. Acho que essa é uma das fotos mais valiosas que tenho. Nunca sorri tão sinceramente assim.
10.
As músicas que foram trilha desta nostalgia estão disponíveis na Playlist da Newsletter. A partir da 15ª.
Aperte o play, abra seus álbuns, descreva suas fotos.
Penso e lido diferente com as fotos... Sempre me ajudam a lembrar quem fui, quem foi e o que não pretendo ser no futuro... Onde estive, consigo sentir os cheiros, o vento e as emoçoes que vivi. As fotos digitais são mais praticas para armazenar, porem mais fluidas, porque podem sumir da midia a qualquer momento... E acessa-las esta num piscar... Eu gostaria de ter um celular com 2Tb de memorias só para fotos... Ou seja, usar a tecnologia a meu favor e contra o envelhecimento da memoria...